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Revista portuguesa é suspensa por conter “imagens ofensivas”

Publicado 11 novembre 2014 per Andrea Rego  • 2 394 visualizações

O último número da revista Análise Social, principal publicação dedicada às Ciências Sociais e estudos sobre Portugal, teve sua tiragem suspensa por conta de um ensaio visual sobre o retorno do político ao grafite. O diretor do Instituto de Ciências Sociais (ICS) da Universidade de Lisboa, José Luis Cardoso, considerou as imagens « ofensivas » e « de mau gosto ». Entre as várias definições, ensaio é também um género literário que se enquadra dentro da didática, fortemente influenciado pelo liberalismo e pelo jornalismo. O filósofo espanhol José Ortega y Gasset definiu-o como sendo “a ciência sem a prova explícita”. Científico ou irrelevante, entenda o caso:

As inscrições ilícitas sobre os muros, os grafites da plebe, constituem uma prática milenar. Os primeiros exemplos conhecidos remontam à antiguidade, na Roma Imperial e em Pompéia. Essas formas de expressão têm em comum uma veia frequentemente satírica e contestatória.
A vontade de desafiar o poder e a boa moral encontra nos muros e nos meios de comunicação anônimos um nicho de grande criatividade. Os mais remarcáveis são os grafites executados nos espaços públicos, acessíveis a uma audiência incontável.
Na falta de destinatário identificado, torna-se uma forma de comunicação mais curiosa ainda, pois aproxima  as estratégias próprias da propaganda às da politica. Mas contrariamente a essas últimas, o grafite é uma obra do cidadão, geralmente incógnito.

Cultura de massa e imaginário pop

Na história mais recente, é preciso se sustentar em certos exemplos que marcaram nosso imaginário. O que se vê hoje em dia escrito nas cidades não pode ser separado dessa grande linha histórica. Joan Gari, pesquisador catalão e autor de uma excelente obra sobre a semiologia do grafite contemporâneo distingue essencialmente duas tradições, a européia e a norte-americana.
A tradição europeia teria por característica principal ser escrita, tomando a forma máxima de natureza poética. O modelo dessa tradição seria representada pelos grafites que floresceram em maio de 68 na França. Diferente do seu homólogo europeu, a tradição americana mantém ligação estreita com a cultura de massa e seu imaginário pop, de onde tira uma predileção pela  expressão figurativa e iconográfica.

O muro como suporte da expressão politica

As cidades portuguesas, sobretudo os grandes centros urbanos, foram invadidos depois de dezenas de anos pelos grafites do tipo norte-americano. Essas manifestações visuais fazem parte da paisagem atual. A mundialização do grafite sugere que, através do mundo, vamos encontrar uma língua comum, com os mecanismos de produção e de validação estética idênticas.

renovação do grafite em Portugal

Nos últimos anos, um retorno de mensagens poÍticas parecem desabrochar sobre os muros. A grave crise econômica e social que explode no cenário das medidas de austeridade impostas pela colisão governamental PSD-CDS tem visivelmente modificado os portugueses, levando-os a uma ação fora do quadro dos mecanismos convencionais de expressão política. As grandes manifestações que tomaram o país pela iniciativa de associações e de coletivos não combatentes ilustram bem.

Irrelevância cientifica

O diretor do ICS da Universidade de Lisboa, Jose Luis Cardoso, nega o valor científico e desqualifica o trabalho do sociólogo Ricardo Campos, um estudioso das manifestações gráficas. Segundo ele, o ensaio visual « a luta volta aos muros », carece de relevância científica, constituindo-se numa « ilustração » eivada pelo « mau gosto », além de refletir o discurso do próprio autor. « Eu nao poderia concordar com ofensas às instituições e pessoas », completou.

Narciso acha feio o que não é espelho

A opinião de Cardoso, evidentemente, não encontrou unanimidade no meio acadêmico. Depois de três anos à frente da publicação, o diretor de Análise Social, José de Pina Cabral, pediu demissão do cargo em represália ao que chamou de « ato de censura ».
Ele defendeu o caráter cientíico do ensaio de Ricardo Campos: « A preservação e publicação de material desta natureza não fere em nada a seriedade científica da revista. Existe uma volumosa e respeitável tradição nas Ciências Sociais de estudar e preservar as formas públicas reprimidas de manifestação da insatisfação social ».
O autor também não digeriu o veto. « Mau gosto? Aquilo não é uma revista de decoração, é uma revista cientifica », ironizou.

*Com informaçoes do jornal Courrier International